segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A noiva do Chuck




Entrou em casa de forma inusitada

Na primeira semana desse ano, resolvi fazer uma “limpa” nos brinquedos das crianças. São três pequenos, o que resulta em três caixas gigantescas e mais um cestão de tranqueiras. Fora as bolas, motocas e bicicletas que não cabem em caixas.

Aproveitando a soneca da tarde e com a ajuda da mãe, fomos selecionando: — este fica, este vai pro lixo... este fica... este vai...

— Vó! Você está jogando meus brinquedos fora?

Olhei a figurinha estremunhada que descia as escadas arrastando uma fralda já mais pra suja que pra limpa em uma das mãos, enquanto a outra não sabia se segurava o corrimão ou arrancava a chupeta da boca.

— Não, filha. A mãe veio em meu socorro — A vovó está separando no saco os brinquedos que não estão completos e guardando na caixa o que está inteirinho.

— Ah! Esse aí é o cavalo do príncipe que tá ali embaixo da pia

— É... então, põe no saco vó, depois a gente pega o príncipe.

Efeito dominó. Quando um dorme, adormecem simultaneamente todos. No despertar o efeito é o mesmo.

João Pedro, o do meio, desce as escadas no colo da babá e logo os olhinhos esverdeados se arregalam em constatação: “ Nossa! Então era isso tudo que tinha embaixo da escada?”

A empreitada se tornou mais difícil.

— Não, João! Esse é o vestido da Poli. Vó, cadê a poli da piscina?

— hummm... deve estar na caixa, Marina.

— Mas vó... No saco de lixo não são os que estão misturado prá juntar depois?

— É... põe isso no saco, Marina, está quebrado, depois a gente conserta.

— Maiina, quero Poli.

— Não, João. Poli é boneca de menina. Menino não tem Poli. Olha seu quebra-cabeça do Mickey.

— No quero! E o quebra-cabeça foi arremessado aos pedaços pela sala.

— Vovó, joga bola.

— Já, já, João Pedro. Espera um pouquinho. Não! Não põe isso aí, deixa que a vovó arruma!

O caos estava começando a se instalar. E o processo do este vai... este fica, foi acelerado.

A operação resultou em um saco de lixo de 150 lts mais uma caixa de papelão (das grandes), cheia de brinquedos. Confesso que me bateu remorso ao constatar que muitos brinquedos estavam inteiros, apenas muito sujos, empoeirados ou rabiscados, e que com boa vontade poderiam ser recuperados e doados para algum orfanato, por exemplo.

Como não conheço nenhum, consolei-me lembrando que os próprios lixeiros separam o que acham interessante e colocam em um compartimento separado da caçamba. Pensei que os brinquedos em questão poderiam ter um bom fim através deles.

No final da tarde, pedi a babá que disfarçadamente levasse para fora o saco e caixa, junto com o lixo para coleta.

Pouco tempo depois, ouvi um tumulto de vozes infantis acompanhado do latido esganiçado da cã schnauzer que pensa ser gente.

Sai para ver o que era e Marina me acompanhou. Quando percebeu que três crianças estavam disputando os brinquedos, entrou aos prantos para dentro de casa. Chorava copiosamente e tão sentida, que me cortou o coração e quase cedi ao ímpeto de ir resgatar os desprezados.

Tentei convencê-la de que essas crianças moravam embaixo do viaduto. Que não tinham casa e que por isso não receberam a visita do Papai Noel, e coisa e tal. Mas não houve jeito. Chorou por quase meia hora.

Já tinha se acalmado e conformado quando tocaram a campainha e boa xereta que é, como qualquer criança de quatro anos, saiu antes da mãe para atender a porta.

— Boa tarde, senhora. Tem alguma coisa pra mim, hoje?

Era o tio da carrocinha, como é conhecido no bairro.

Catador de papelão e afins, passa toda semana pelas ruas da vila, onde todos já o conhecem e deixam seus descartados recicláveis em um canto da calçada.

Ele vai amontoando tudo e serve de mula para o frágil veículo que em algumas vezes, quando o tempo está bom, também carrega o filho pequeno, encarapitado no alto da pilha.

Nunca toca campainha de casa alguma. Apenas se apossa do que lhe foi designado e está sistematicamente arrumado sempre no mesmo lugar da calçada. Um acordo tácito.

Nesse dia, sem explicação plausível — penso que nem ele próprio sabe explicar o porquê — tocou a nossa campainha e quando Marina olhando a boneca desgrenhada, espetada no alto da carrocinha, perguntou: — Essa boneca é pra mim? O tiozinho sem pestanejar, e antes que a mãe pudesse fechar a boca ou emitir qualquer som, passou o pequeno monstrinho pelas grades do portão e ficaram ambos vendo a garota entrar saltitante, casa a dentro.

Na verdade é a boneca Stephanie, do programa infantil Lazy Town. É grande, 80 cm, bastante maltratada está horrível. Descartá-la? No momento, nem pensar!. Marina anda pela casa atracada com ela, e quando não está, acabamos tropeçando em Stephanie em algum canto e ela está sempre nos encarando com olhos esbugalhados, cada vez mais descabelada e ar acusador, beirando a malignidade.
 
Será castigo pelos brinquedos descartados? Sei lá... O fato é que a boneca é sinistra e veio do mesmo lugar para onde foram outros brinquedos em bem melhor estado.

"Não creio em bruxas, mas que elas existem, existem".
 
Asta Vonzodas
Jan/2011

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